8 de outubro de 2015

Abuso sexual infantil: como identificar

Estou participando de um grupo maravilhoso de mulheres empoderadas e lá aprendo bastante com todas elas. Uma discussão que chamou muito a minha atenção foi sobre abuso sexual infantil. Eu fiquei muito chocada com as histórias que foram compartilhadas por mulheres que hoje são mães e que quando crianças viveram esse pesadelo. Eu descobri que 1 em cada 4 meninas sofre algum tipo de abuso antes de completar 18 anos. Eu não sabia que a estatística era tão assustadora. Como mãe de menina fico ainda mais apreensiva, mesmo sabendo que não são só as meninas que sofrem abuso. O que me choca ainda mais é que a maioria dos casos de abuso sexual infantil acontecem dentro da casa da criança, é praticado por pessoas de confiança dos pais da criança, familiares ou amigos próximos. 

Uma das mulheres do grupo foi abusada sexualmente por 6 anos. Ela passou por esse sofrimento e com 12 anos colocou um ponto final para o seu abusador. Ela escreveu o texto que segue abaixo, sobre como os pais ou cuidadores podem identificar se uma criança está sendo abusada. Meu sincero agradecimento a essa mulher forte, por ter escrito esse texto, por ter exposto algo tão doloroso da sua vida para ajudar outras famílias. É possivel identificar se está havendo abuso, e no geral a criança não conta abertamente que está sendo abusada. Nem para os seus pais e nem para ninguém. Ela pode até ser um criança falante, pode contar tudo para a mãe. Mas isso não significa que ela vai contar sobre o abuso que ela vive. 

Coloco o texto aqui para alertar todas as mães sobre esse assunto tão importante e ajudar a evitar que crianças passem por um sofrimento tão brutal como essa mulher passou.

Peço que você leia este texto com carinho e atenção, seja você mãe de menina ou menino, ou mesmo se você tiver crianças em sua família. 
 
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Como identificar que um pedófilo?

Como identificar que uma criança está sendo abusada?

Fui abusada durante 6 anos (dos 6 aos 12 anos). Eu mesma coloquei fim aos abusos. Nesse texto não vou descrever os abusos, não faria bem nem pra mim, nem para quem vai ler.

Minha mãe sempre fez de tudo pelos filhos, era uma boa mãe, carinhosa, trabalhava muito, era muito rígida e exigente, nunca nos deixou dormir fora de casa. Nunca foi omissa ou conivente com nada. Nunca desconfiou dos abusos. Sempre confiou cegamente no abusador. Mas sim, teve sim algumas boas oportunidades de identificar o que estava acontecendo. Porque ela não aproveitou essas oportunidades? Porque ele sempre fez as perguntas certas para a pessoa errada. Nesse texto vou dar algumas dicas baseadas na minha experiência. Não sou psicóloga. Não leio muitos artigos de psicologia. Mas como mecanismo de defesa eu aprendi a ser muito observadora. E com isso vou dar as dicas que teriam funcionado no meu caso para impedir que os abusos durassem tantos anos.

Estou compartilhando esse texto porque acho que os pais tem uma visão de que podem proteger os filhos quando os impedem de brincar na casa do vizinho ou quando os proíbem de dormir na casa do priminho ou do coleguinha. Sim, esses cuidados são importantes e podem sim evitar um abuso. Mas se somente isso fosse o suficiente eu não teria sofrido abuso por tantos anos. Enfim, eu queria ter uma fórmula mágica para impedir que crianças sejam abusadas. Mas essa fórmula simplesmente não existe. O que existem são formas de identificar quando o abuso já ocorreu ou está acontecendo. Se o pedófilo for muito descarado, dá pra perceber e se antecipar. Mas acho que a maioria dos pedófilos age de forma muito sorrateira.

Imagine que uma criança que ficou sob a responsabilidade de alguém da sua absoluta confiança. Uma pessoa boa. De quem seu filho(a) gosta. Mas ao buscar a criança (ou ao você chegar em casa) você percebe que algo não usual aconteceu. Pode ser que a criança tenha tomado banho em um horário que não está habituada, ou sem que houvesse real necessidade do banho. A pessoa justifica que a criança quis tomar banho porque estava calor. Peraí... Seu filho(a) pede para tomar banho quando está calor? Pode ser que a criança tenha trocado de roupas. A pessoa que estava cuidando justifica que a criança estava brincando de ser modelo (ou algo do tipo) e por isso trocou de roupa várias vezes. Peraí... Seu filho(a) tem o costume de brincar assim? Pode ser que a criança esteja triste, cabisbaixa. Pode ser que haja um clima estranho entre os dois. Se você achou um pouco estranho alguma brincadeira, se tem algo te incomodando, pare de pedir explicações para o cuidador. Espere um momento oportuno e a sós converse com a criança. Você pode começar com uma brincadeira. Pode chamar seu filho para te ajudar a fazer algo e ir perguntando como quem não quer nada. As perguntas abaixo devem ser feitas de forma bem tranquila, com naturalidade. Não demostre preocupação com as respostas. Haja friamente.

“Filho(a) como vc passou a tarde, tá tudo bem?”

“Vocês brincaram de que?” Não se satisfaça com a primeira resposta. Sempre venha com um “o que mais?” “Mas só essa brincadeira?” “Teve alguma outra?” “E fizeram mais o que?”

“Nossa que brincadeira legal, você se divertiu?” “E o que mais vocês fizeram?”

“Quem teve a ideia da brincadeira, você?”

“Mas conta pra mim, como que brinca disso?” “Tinham regras na brincadeira?” “Quem criou as regras?”

“E durante a brincadeira (ou o banho, se a criança tiver tomado banho) você tirou a roupa? “Ele te ajudou a tirar a roupa?”

“E ele também ficou sem roupas?”

“Como que ele te ajudou a tirar a roupa, ou a tomar banho?”

“Mas você acha que precisava de ajuda? Você pediu ajuda ou ele que quis te ajudar?”

A medida que a criança vai respondendo, você pode ir mesclando o assunto com coisas triviais. Não faça as perguntas parecerem um interrogatório. É só uma conversa inocente. Se a criança parecer nervosa, você pode descontrair. Conta uma história e depois volta ao assunto.

Diga para a criança: “Nós somos amigos não somos? Amigos contam tudo um pro outro. Vou te contar um segredo meu e você promete que não conta pra ninguém?” Então conte algo que parece ser um super segredo. E depois peça para que a criança contar um segredo dela. Pergunte: “Você tem algum segredo sobre a tarde de hoje (ou ontem)?” “Me conta o seu segredo. Eu prometo de nunca ninguém vai saber. Você sabe o meu segredo e eu vou saber o seu, afinal não somos amigos?”.

Se a criança der sinais de que algo realmente está errado perguntas mais diretas podem e devem ser feitas, como: “Ele tocou sua genitália?” “Ele pediu para que você tocasse nele?”

Outra situação hipotética: você soube que um adulto usou um adjetivo de cunho sexual com seu filho(a). Pode ter disso que a criança é sexy, ou gostosa, pode ter elogiado alguma parte do corpo como a bunda ou as pernas (mas com conotação sexual). Ou então você sabe que essa pessoa introduziu assuntos de cunho sexual com seu filho(a). Pode ter ensinado algo inadequado para a idade. Você não só pode, como deve tirar satisfações com a pessoa. Mas não faça isso na frente da criança. Depois das devidas explicações, mesmo que você esteja satisfeita(o) com as justificativas e os pedidos de desculpas. Mesmo que você realmente acredite que não houve maldade. Mesmo que você confie nessa pessoa. Converse com a criança! Converse a sós. Chame a criança pra fazer algo com vc. Algo que gaste tempo e faça perguntas. Converse com calma, paciência, empatia. Você pode repetir algumas das perguntas anteriores que achar pertinente e pode perguntar também:

“Fulano falou tal coisa com você, eu achei estranho. Você achou estranho?”

“O que vocês estavam fazendo (ou conversando) quando ele falou isso?”

“Ele já falou isso outras vezes?” “Ele já tocou suas partes íntimas?”

“Pode ter sido em alguma brincadeira, já teve alguma brincadeira que ele te tocou?”

Escolha com calma as perguntas que mais se encaixe na situação. Mas tudo com muita tranquilidade. Sem pressionar a criança. É só uma conversa inocente.

Agora imagine que a criança diga que sabe sobre um assunto que ela ainda não tem idade para saber e nunca foi abordado com ela em casa. A criança pode dizer que sabe o que é uma ejaculação, que já viu uma. Pode dizer que sabe o que é se masturbar, ou o que é sexo oral, ou sabe como colocar a camisinha. Ela pode dizer que sabe como os bebês são feitos. Ou sabe como os adultos namoram. Talvez ela não use os termos corretos, talvez use gírias, mas se ela diz que entende o que significa tais coisas é bom investigar se ela sabe mesmo. Então vamos, primeiramente, ao que não fazer:

NUNCA diga que a criança está mentindo ou inventando.
NUNCA se exaspere dizendo que isso não é assunto de criança.
NUNCA diga que a criança não tem idade para saber tal coisa.
NUNCA ignore que a criança possa saber por que tem experiência prática no assunto.
NUNCA pergunte diretamente como ela sabe, dando a entender que ela não deveria saber.

A criança pode dizer que sabe e depois travar e não falar mais nada. Ou então, por medo, admitir que mentiu ou inventou. Trabalhe com a possibilidade de a criança estar se desmentindo por medo e chame a criança para uma conversa. Conversas informais e descontraídas sempre surtem mais efeito. Diga:

“Ahh vc sabe o que é... nossa você é muito mais esperto(a) que eu imaginava, mas o que exatamente você sabe?” “Vamos ver se você é tão esperto quanto eu to pensando, me explica direitinho o que é?” Deixe a criança falar, não a interrompa. Se a criança travar, pergunte de outra forma.

“Mas vc disse que sabia, agora to curiosa(o), me conta como foi que você descobriu?”. Alguém te contou ou você viu?”

Se a criança se recusar a falar, apele para a barganha. Dependendo do contexto a barganha pode funcionar sim. E muito bem. Se uma criança, por exemplo, souber descrever uma ejaculação, é porque já viu uma. Se ela nunca viu, vai arrumar qualquer explicação estapafúrdia para tal ato. Vai ser fácil identificar se a criança está mentindo ou se realmente ela vivenciou o ato. E prometer algo em troca da explicação, nesse caso, funciona. Você pode prometer algo que a criança goste muito, como um passeio, um brinquedo ou um sorvete. Se perceber que a criança está mentindo, NÃO diga: você está mentindo! NÃO fique bravo(a). Explique, por exemplo, o que é a ejaculação (se o caso for esse). Mostre que a explicação dela está errada e não fique repetindo que é mentira ou chamando a criança de mentirosa.

Converse sobre sexo com seu filho(a). Para que esperar ele(a) fazer 5 anos? Para que esperar fazer 10 anos? As crianças são muito curiosas, fazem perguntas o tempo todo. Essas perguntas podem funcionar como ganchos. Não encare as perguntas como situações embaraçosas, encare como oportunidades. Não sei o que dizem os psicólogos, mas pela minha experiência, digo que, assim que a criança começa a se comunicar bem e entender melhor o que está a sua volta, os pais já podem introduzir de forma superficial o assunto sexo. Claro que respeitando a curiosidade e a capacidade de compreensão de cada faixa etária. Podem falar, por exemplo, que se alguém tentar tocar as partes íntimas da criança ela tem que contar para a mamãe e para o papai. Podem dizer que brincadeiras de tirar a roupa quando a “mamãe ou o papai” não estão perto não são permitidas. Muitas instruções podem ser dadas. Mas vá com calma. Não assuste a criança. Crie oportunidades para dar algumas instruções de forma natural. Entenda que não dá para transferir a responsabilidade de proteção para a criança. A criança não tem capacidade de se defender ou de identificar o abuso. Mas ela pode contar. Para isso tem que ter um clima de confiança entre a criança e os pais. E os pais tem que puxar o assunto da boca dos filhos. E não esperar que a criança tome a iniciativa.

Não se culpe e não subestime um pedófilo! Ele não parece um monstro. Ele é dissimulado, é mentiroso, ele tem duas caras. Ele pode ser seu sobrinho de 17 anos que você ajudou a criar. Você trocou fraldas. Você o viu crescer! Você ajudou a pagar o inglês. Ele é um menino encantador, adorável, estudioso, prestativo. Ele tem namorada e está apaixonando por ela. E daí? Só porque você o conhece desde sempre não pode ser ele? Ele pode ser seu pai. Sim, seu pai, que nunca abusou de você. Que sempre foi um pai herói. Que adora crianças e as crianças o adoram. Alguns pedófilos não abusam das próprias filhas. Mas das filhas das vizinhas, sobrinhas e das netas sim.

Não estou dizendo, com esses dois exemplos hipotéticos (primo e avô) que agora não dá pra confiar em absolutamente ninguém. Não é isso. O que quero dizer é que o pedófilo é alguém acima de qualquer suspeita. E mais: alguns pais jamais deixaram que seus filhos fossem brincar na casa dos amiguinhos. Jamais deixaram que os filhos fizessem trabalho de escola na casa de colegas. Jamais deixaram que os filhos dormissem fora de casa. Muitos pais são muito cuidadosos. Às vezes são até neuróticos. São superprotetores. E mesmo assim a criança sofre abuso. É importante tomar muito cuidado com as crianças. Muito cuidado mesmo. Mas não adianta superproteger! O que funciona, em minha opinião? Observação! Observe a criança. E a criança vai dar pistas. Siga as pistas. E a verdade virá à tona. Claro que temos que observar os adultos que cercam nossos filhos. Claro que temos que desconfiar de quem não conhecemos. E também de quem conhecemos!

Claro que temos que escolher em quem confiar. Não é razoável desconfiar de tudo e de todos. Mas se surgir algum comportamento inadequado, a criança deve ser o alvo da investigação. E a criança precisa ouvir mil vezes que não precisa ter medo de contar a verdade, que não vai ser castigada, que a culpa não é dela. Conversas informais durante alguma atividade são ótimas para se descobrir coisas. Enquanto você e seu filho amassam um pão ou pintam um quadro, muita coisa pode ser perguntada assim como quem não quer nada. E o assunto “sexo”? Esse não deve ser tabu. Não existe idade para falar de sexo. A criança precisa saber que esse não é um assunto proibido para ela. Isso dá mais liberdade para que ela fale. Caso tenha algo para falar.

Sempre fui falante. Falava pelos cotovelos. Minha mãe certamente acha que eu contava tudo para ela. Eu sempre conversei muito com minha mãe. Minha mãe sempre queria saber sobre o meu dia na escola. Minha mãe sempre esteve aberta a me ouvir. Mas nem por isso consegui contar sobre os abusos que sofri! Primeiro não falava porque não entendia o que estava acontecendo. Depois porque sentia medo. Depois porque me sentia culpada. Depois porque sentia vergonha. Hoje eu nem sei o que sinto.

Então, as regras de ouro são:

- As perguntas NUNCA devem ser feitas ao adulto e sim para a criança.

- Ao menor sinal de que um adulto está se referindo a criança adjetivos de conotação sexual ou está tendo conversas de cunho sexual com a criança, não interpele o adulto imediatamente, espere um momento oportuno, volte ao assunto com a criança e extrapole nas perguntas. Pergunte muito. Mas não intimide a criança.

- Barganhe, prometa uma recompensa se a criança falar a verdade, Crianças tem imaginação fértil, mas não é tão difícil saber quando estão mentindo. E NUNCA suponha que a criança está mentindo. Acredite nela e investigue.

Pessoas que sofreram abusos tendem a ser neuróticas com os filhos. Eu tento não ser neurótica com a minha filha. Mas não é fácil, mas eu tento. Uma vez li que uma criança nunca escapa de um pedófilo. Ele escolhe a criança. Ele aproveita uma oportunidade e ela não escapa. Eu não escapei. Uma em cada quatro meninas não vão escapar. Entre os meninos não sei qual é a percentagem, nunca li sobre dados estatísticos de meninos, mas eles também sofrem abusos e não é raro acontecer. O que podemos fazer é ficarmos atentos, muito atentos. O diálogo é a principal ferramenta para identificar o abuso. Mas não adianta fazer as perguntas certas para a pessoa errada. Não adianta perguntar ao pedófilo. Não adianta pedir explicações para o pedófilo. Mas quem é o pedófilo? Posso te dizer quem não é: a criança.