9 de janeiro de 2015

Quero falar sobre o (não) parto no Brasil e um princípio de mudança

Eu comecei a escrever este post há quase 2 meses e não terminei. Mas esta semana, com o anúncio feito pelo Ministério da Saúde de medidas para estimular o parto normal na saúde suplementar, eu me senti na obrigação de terminar e postar. 



Logo depois que eu casei, eu percebi que, no âmbito da minha família, eu tinha entrado para um grupo diferente do que eu estava antes: o grupo das casadas. Eu me mudei pra Gringolândia mas já na primeira visita ao Brasil as minhas tias e primas casadas me tratavam de forma diferente. Mesmo a minha mãe e minha irmã que já era casada. É algo meio sutil, mas eu via claramente que os assuntos que as mulheres casadas das minha família conversavam comigo eram tratados de forma diferente. Eu já não era mais uma mulher solteira, e isso fez diferença.

Em outubro do ano passado foi a primeira vez que fui ao Brasil depois de ter a Liana. Se depois de casar eu percebi uma diferença com a minha família, depois de ser mãe mudou mais ainda.

A minha família é bem grande. E para eu poder ver todo mundo fizemos um almoço de domingo na casa dos meus pais. Havia mais de trinta adultos e dez crianças com menos de 5 anos. De todas essas crianças a Liana era a única que nasceu de parto normal. Aqui na Gringolândia quando vamos a um evento com muita criança assim é exatamente o contrário: de dez crianças talvez uma ou duas tenham nascido de cesárea.

Todas as mães conversavam comigo sobre fraldas, amamentação, introdução de sólidos, alergia alimentar, sono de bebê e, é claro, o assunto parto também foi um dos mais tocados. Todas já sabiam que eu tive parto normal aqui, e as minhas primas estavam curiosas para me perguntar como foi, e como eu consegui. Algumas até me contaram que queriam parto normal no início, mas depois elas acharam a cesárea melhor, já que elas não suportariam a dor do parto. O sistema é mesmo cruel! Ele coloca na cabeça das pessoas que parir é ruim, que é muito difícil, que uma mulher normal não consegue. Mas calma, eu sou uma mulher completamente normal, não tenho super poderes, não sou "riponga", não quero viver no meio da floresta, morro de medo de barata, sou muito mole, e consegui parir!

Para mim é impossível não comparar essas duas realidades tão distintas que vivo. Comparo as realidades que EU conheço bem de pertinho: Boston (cidade onde moro atualmente)  e o sistema brasileiro cesarista que eu leio tanto por aqui, que vejo na minha família e conversando com as minhas amigas.

Em Boston o normal é ter parto normal, as mulheres tem muito medo de ter que passar por uma cirurgia para ter seu bebê. Quando eu conto sobre a realidade brasileira para as minhas amigas americanas, elas me dizem que tem muita dó das brasileiras, e elas mal acreditam que algumas mulheres preferem passar por uma cesárea a ter um parto vaginal. Aqui as mulheres não precisam de lutar para parir, também não precisamos de ser fortes para suportar a dor. Aqui basta pedir uma epidural. Episiotomia aqui quase não se vê. Já faz muito tempo que foi comprovado que ela não é necessária na maior parte dos partos. Aqui, após um parto normal, se mãe e bebê não apresentam nenhum problema, ficam no hospital por 2 dias após o parto. Quem passa por uma cesárea aqui fica por 5 dias no hospital e depois há várias restrições que a mãe deve seguir por mais de um mês. Uma delas é não empurrar o carrinho de  bebê, já que numa subida ou descida mais íngreme isso pode prejudicar o local da cirurgia. Aqui percebo que a cesárea é tratada de forma mais séria, como uma cirurgia mesmo. E no Brasil a cesárea é banalizada.

Eu pari em uma das melhores maternidades dos Estados Unidos, onde os professores de medicina da Universidade de Harvard trabalham, e nunca ouvi falar em parto humanizado aqui. Sabe porque? Porque todo parto é humanizado! Sim, porque nós mulheres somos humanas, logo nossos partos são humanizados. Nós merecemos respeito. E foi isso que tive aqui. Sem ter que pagar nenhum centavo a mais por isso. O meu plano de saúde cobriu tudo.

Veja bem, não quero aqui de forma alguma desmerecer as mães que tiveram cesáreas no Brasil. Se eu morasse aí e tivesse que escolher entre um parto normal repleto de violência obstétrica ou uma cesárea, e tivesse um ginecologista fazendo terrorismo comigo durante nove meses, nem sei o que faria. Talvez eu teria uma cesárea também, apesar de nunca na minha vida ter gostado da ideia de ter uma cirurgia... Mas entre o ruim e o muito pior fica difícil mesmo. E não é todo mundo que tem a disponibilidade de gastar bastante dinheiro com um parto humanizado.

Eu me sinto abençoada por ter tido um parto tão lindo e por ter sido extremamente bem tratada durante todo o meu trabalho de parto e a minha estadia no hospital com a minha filha, após seu nascimento. Tudo isso foi essencial para o nosso bem estar e para eu amamentar de forma bem sucedida. Sei que no Brasil geralmente as coisas são bem diferentes. Mas no início desta semana eu vi uma luzinha bem ali no final desse túnel escuro.

O Ministério da Saúde divulgou as novas regras para quem usa Plano de Saúde. Vejo essas medidas como o início de uma longa caminhada que o Brasil precisa de fazer, rumo ao respeito às grávidas e aos novos brasileirinhos que estão por nascer. Vale dizer que essas medidas não obrigam nenhuma mulher a ter parto normal. A decisão é da mulher! Essa nova regra é a grande aliada para as mais de 70% de grávidas brasileiras que querem ter parto normal. A grande maioria delas acabava na faca ou era muito desrespeitada. Agora deverá ficar mais fácil não só ter um parto normal, mas também se informar sobre o parto e sobre os riscos que uma desnecesárea apresenta.

Para mais informações do Ministério da Saúde, clique na foto abaixo.


Campanha do Ministério da Saúde







22 comentários:

  1. Ai como é delícia ler essas palavras. Infelizmente algumas pessoas ainda se ofendem com esse assunto....
    Mas, há uma luz no fim do túnel.
    (Vou compartilhar no Facebook, tá bem?)

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    1. Oi, Mariana! Não há porque se ofender! O sistema cesarista brasileiro é perverso, e há muito o que melhorar. Devemos tentar nos colocar no lugar dos outros e abrir a cabeça e o coração para as informações.
      Pode compartilhar sim!
      Beijos, Rita :)

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  2. Eu sempre digo, que aqui o parto é banalizado. Tanto o normal quanto a cesarea. Sem contar que é preciso pagar a disponibilidade do médico que acompanhou o pre-natal, ou então, vc cai na mão dos plantonistas açougueiros!
    Eu paguei meu parto, fiz cesarea (não era minha primeira opção). Mas aqui a coisa é realmente beeem diferente (tenho amigas que moram na gringa). No hospital que eu tive meu filho (hospital da unimed), uma moça estava internada, sem o bebê pq ficou 24 horas com a bolsa rompida e o bebê estava na UTI. Outra gritou a noite inteira pelos corredores afora... meu, é desumano!
    O Brasil tem MUITO a melhorar!

    Ótimo post!
    Estou seguindo o seu blog.
    http://mae-a-bordo.blogspot.com.br/

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    1. Oi, Drika! É muita banalização mesmo! E isso não pode ficar assim, afinal trata-se do modo como as pessoas estão nascendo, é importante, poxa! Essa luta ainda tá no começo e temos muito pela frente.
      Muito obrigada pela visita!
      Beijos!

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  3. Aqui na Irlanda então a gente nem paga por isso, tudo feito com o maior respeito e cuidado pelo sistema público de saúde. x

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    1. Oi, Nivea!
      Pois é, o sistema americano de saúde está longe de ser um bom modelo, mas comparado com o jeitinho Brasileiro pra nascer, aqui tá melhor.

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  4. Rita eu tive uma cesária agendada pelo SUS. Eu apesar do médico ter me indicado esperar pelo PN preferi a cesária já que morria de medo de ter eclampsia no parto já que minha mãe quase morreu no parto do meu irmão. Minha pressão na hora do parto foi a 20/8 e eu não arrepndo nenhum um pouco do jeito que a Stella nasceu. De tudo que vc citou e assistindo 'Um bebê por minuto' no Discovery H&hH eu descobri que o chamado parto normal aqui no Brasil não existe: veja bem eu fiquei numa enfermaria do SUS no interior do Brasil, onde uma mãe foi internada as 10 da manhã sem acompanhante e com 2 cm de dilatação e deixaram ela lá. Qndo a enfermeira veio me dar remédio ela reclamou da dor e a enfermeira na minha frente e da minha acompanhante levantou a camisola e fez o toque e disse assim: aguenta que ainda demora e foi embora. Na hora das visitas aquela mulher sentindo dor tinha de ficar em um quarto comigo, minha filha e as visitas. Ela teve seu filho já eram quase 22 horas depois de muitos pitos do médicos e das enfermeiras de que ela não estava fazendo direito. Na madrugada internaram mais duas meninas, e quando recebi alta de manhã elas iam ser encaminhadas para cesárea porque o médico plantonista verificou que uma ja tava com a bolsa estourada e não tinha dilatação e a outra o bebê estava pélvico. A realidade no Brasil é terrível. Fiz a cesarea e em caso de outro filho farei de novo. É triste, mas aqui do jeito que as coisas estão ficar esperando em hospitais que nem um aparelho de ultra tem é pior.

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    1. Oi, Dayanne!
      Eu sei que isso que você presenciou estando num hospital público não acontece só no interior, ou em cidade pequena. Eu sei que isso acontece em todas as cidades. A minha irmã que é médica já viu pacientes em trabalho de parto serem maltratadas por uma jovem residente de ginecologia num hospital público da capital do Brasil. E isso é FODA! É uma mulher jovem mandando uma grávida com dor calar a boca. Tá errado!!! Se ela não tem paciência com uma grávida que vá escolher um outro ramo pra trabalhar, e não ginecologia. Assim não dá nem pra ser veterinária pra tratar de cachorro! Aliás, as vezes parece que cachorrinho de madame ganha mais respeito que uma grávida no Brasil.
      Dayanne, hoje no Brasil o parto normal é muito raro sim, você tá certa. Mas isso é errado! E não podemos nos calar vendo isso! Há um tempo atrás mulher não podia votar e hoje nós votamos graças a pessoas que não se calaram e reclamaram. A escravatura no Brasil acabou também porque pessoas não se calaram. É isso que está acontecendo agora: pessoas estão lutando para garantir o direito de toda mulher parir em paz. E tenho fé de que daqui a um tempo as mudanças estarão visíveis.
      Beijos, Rita

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  5. Oi flor acho bacana essas mudanças que estão propondo agora pelo fato de dar a mulher o direito de escolha.

    Não sou defensora de nenhum tipo de parto, acho que TODOS tem prós e contras e por isso acredito que a mulher deve ter o direito de escolha SEMPRE.

    Terei cesraiana eletiva pq minha gestação é de risco, de todo modo faria cesariana por ser minha escolha só n agendaria deixaria ela vir no momento dela.

    Beijos

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    1. Oi, Juliana!
      Não sei bem o motivo da sua gravidez ser de risco, mas posso te falar com absoluta certeza: várias gravidezes de risco que no Brasil acabam em cesáreas aqui no país mais rico do mundo para os mesmos casos são feitos partos normais. Tenho várias amigas gringas que tiveram gravidez de risco e tiveram parto normal aqui. Uma delas teve pre-eclampsia e ela pariu sua primeira filha com quase 40 anos de idade. Tenho certeza que no Brasil ela acabaria entrando na faca.

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  6. Infelizmente são duas realidades completamente distintas... mas, que o Brasil começou a engatinhar nesse sentido. Tomara que as mudanças não parem por aí. Bjos!

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    1. Oi, Lyanna! Estou com muita esperança que as mudanças não pararão tão cedo!
      Beijos

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  7. Tô tentando comentar, mas tá dando erro. Vamos ver se agora vai.
    Esse assunto está bem polêmico, né? Mas não sei se isso realmente irá pra frente. Desconfio que será apenas um bafafá e tudo voltará a ser como é, se é que vai deixar de ser.
    Veremos :)
    Bjos!

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    1. Oi, Carol! Eu sou uma pessoa bem realista e acho que com todo o movimento pelo parto normal crescendo a cada dia mais, essas mudanças tem tudo pra isso ir pra frente sim! Assim espero!

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  8. Aqui, a melhor constatação foi "nunca ouvi falar em parto humanizado aqui. Sabe porque? Porque todo parto é humanizado! Sim, porque nós mulheres somos humanas, logo nossos partos são humanizados". Aqui, pra vc SE SENTIR humana (pode isso?) no parto, tem que pagar e pagar CARO! É muito triste...
    Já estou poupando pro segundo (se vier, quando vier)!
    Bjs

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    1. Naty, isso acontece mas não deveria! Que quando seu seundinho(a)nascer já seja mais fácil de se sentir humana!

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  9. Rita, estamos muito mas muito longe de escolhermos de verdade nosso parto! Ainda são poucos profissionais que apoiam e sabe o que acontece? Na hora do vamos ver, a gente tem tanto medo do que os médicos falam que não se discute e se aceita o que o médico disser que é o melhor...estou em busca do meu parto mas confesso que não estou com muita esperança...minha obstetra é super a favor do parto normal, mas, estará em um congresso na minha 39° semana...ou seja, se eu sentir dores e meu parto for justamente nesta semana, terei que recorrer ao médico que a substitui e que já sei, não é tão fã de parto normal...conclusão: eu não vou escolher meu parto! Isso me dói mas ainda é a realidade brasileira...se me bebê escolher vir na 39.° talvez eu não tenha o parto que eu gostaria...

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    1. Ai, Myriam! Eu sei que no Brasil estamos a mil anos luz de poder escolher o parto normal. Estou torcendo pelo seu!

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  10. O maior problema está também nas pessoas que mesmo antes de engravidar já escolhem o seu tipo de parto. Por eu ser "pequena" todos tinham pena de mim quando dizia que queria ter meu filho de parto normal e que iria ter meu filho pelo SUS. Tive meu filho em um ótimo hospital e foi a melhor decisão que pude ter.
    Conheço filhas que escolhem parto cesária porque a mãe pintou horrores do seu próprio parto há mais de 20 anos atrás.
    Já a minha mãe falava de seu parto como uma coisa fácil e natural. Precisamos educar as nossas filhas para algo natural em nós mulheres.
    Os médicos não tem culpa desse grande índice de cesárias e sim as próprias mulheres, porque afinal "vamos vender lenço" enquanto elas choram, não é?

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    1. Oi, Gi! Concordo com você que há sim muitas mulheres que querem cesarea a pronto. Mas não é por isso que a taxa de cesarea é tão grande no Brasil. Eu conheço várias mulheres que acabaram na faca simplesmente porque não encontraram médicos que fizessem parto normal ou simplesmente foram enganadas pelos profissionais. Tem sim muito médico que desde o início deixam claro que não fazem normal. E se fazem, tem um monte de impecilhos no final ou cobram taxas altíssimas.

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  11. Oi Rita!!!
    Concordo com a Gi E Pedro.
    Acredito tbm o incentivo ao parto normal deveria vir dos planos de saúde e não dos médicos, os planos estão caríssimos e deveriam ter uma estrutura exelente para PN.
    TIve minha bebê por PC, não me arrependo e digo que foi pressão do meu marido, mas pretendo ter mais um filho e quero PN.
    Fui para o PC com mais medo do que eu iria para o PN, parcia que eu estava indo pra forca, pq na minha criação SEMPRE ouvi minha mãe dizendo que os 2 partos que teve foram PN e forma tranquilos.
    Enfim, vou ficando por aqui.

    Bjos!

    http://embuscadomeubaby.blogspot.com.br/

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    1. Oi, Mariana! Eu te entendo, eu imagino que deve ter sido horrível mesmo, quase ir pra forca. Mas olha, te desejo muita força e que seu marido entenda que PN é a melhor opção, e PC só deve ocorrer como excessão, nano como regra.

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